EUA reforçam <br> posições na Nigéria

Carlos Lopes Pereira

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Os Estados Unidos estão a reforçar a presença militar na Nigéria e em outros países da região.

A pretexto de auxiliar as autoridades nigerianas a encontrar as jovens raptadas há sete semanas, o presidente Barack Obama enviou 80 militares para o vizinho Chade, cujo governo é fiel amigo da França, um pilar do imperialismo em África.

Especialistas norte-americanos apoiam operações de informação e vigilância e voos de reconhecimento de aviões e drones no Norte nigeriano e em toda a região, incluindo Chade, Camarões, Níger e Benin, países que fazem fronteira com a Nigéria.

A pedido do presidente Goodluck Jonathan, países ocidentais como a Grã-Bretanha, a França e Israel enviaram expertos militares e policiais para ajudar o governo de Abuja na busca das raparigas. François Hollande – activíssimo na política neocolonial mas que nem no seu país consegue travar o crescimento da extrema-direita xenófoba e racista – apressou-se a reunir em Paris vários dirigentes oeste-africanos para concertar uma «resposta regional», até agora inexistente.

Em Abril, o grupo islamista Boko Haram sequestrou mais de 200 estudantes – os números variam, algumas jovens conseguiram escapar e há 223 ainda desaparecidas – de uma escola secundária de Chibok, no Nordeste da Nigéria, ameaçando que só as soltará em troca da libertação de membros da organização presos em cadeias governamentais. Os governantes nigerianos, pressionados pelos familiares e pela opinião pública, hesitam entre negociar e utilizar a força.

O grupo tem levado a cabo, desde 2009, acções violentas – ataques a aldeias, atentados em mercados, raptos –, provocando centenas de vítimas. Actua sobretudo nos estados de Borno, Yobe e Adamawa, no Nordeste de maioria muçulmana.

As interpretações «fáceis» de que o grupo e o seu chefe, Abubakar Shekau, são um bando de «terroristas», uma espécie de Al-Qaida da África Ocidental com ligações a movimentos jihadistas do Sahel e da Somália, são contrariadas por outras explicações.

Um antigo responsável dos serviços secretos franceses, Alain Chouet, publicou recentemente um artigo no website Mondafrique considerando o Boko Haram como um «monstro útil» e denunciando o seu financiamento por aliados dos Estados Unidos.

Segundo o autor, o grupo não tem ligações a qualquer rede islâmica internacional e seria, de facto, um movimento rebelde local, formado por causas económicas e sociais. Recruta os membros na Nigéria, explorando as gritantes desigualdades, a criminalidade endémica e a corrupção generalizada no sistema político, na administração e nas forças armadas.

Para o antigo espião francês, a existência do Boko Haram deve-se ao acirrar das divisões religiosas da Nigéria – o mais populoso país de África, com 160 milhões de habitantes –, com o Norte de maioria muçulmana (45% da população) e o Sul cristianizado (35%) ou animista (20%). E deve-se, sobretudo, ao controlo dos recursos petrolíferos do gigante africano, 6.º exportador mundial, localizados principalmente no Sul do território. «Desde há uma quinzena de anos, os nortistas muçulmanos, que controlavam historicamente os postos de responsabilidade nas forças armadas e na administração no seio do Estado, perderam progressivamente a sua posição de domínio em proveito das elites sulistas. Esta perda de estatuto, de prestígio e, sobretudo, de controlo da renda petrolífera que permitia fidelizar politicamente as populações do Norte suscitou vivas reacções e contribuiu largamente para alimentar a corrente extremista muçulmana simbolizada desde 2002 pelo Boko Haram» – escreve Chouet.

O artigo afirma que são as «petromonarquias árabes», a Arábia Saudita e o Qatar em primeiro lugar, e os seus clientes das gigantes petrolíferas, que financiam grupos como o Boko Haram. Receiam que a Nigéria, subtraída à influência de Riad, possa lançar-se «em formas de independência económica e política contrárias aos interesses da maioria dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)». Pelo que é necessário, a todo o custo, evitar os «maus exemplos» do Irão (2.º exportador mundial) e da Venezuela (5.º exportador) e das suas «aventuras» de controlar e mesmo nacionalizar o petróleo, não respeitando as quotas de produção destinadas a manter o preço do barril num máximo internacionalmente suportável ou, pior do que isso, «recusando-se a aceitar o pagamento do seu petróleo em dólares, o que permite aos Estados Unidos ‘exportar’ a sua abissal dívida interna».

A Nigéria é, pois, mais um caso em que os Estados Unidos e aliados «ajudam» um país a combater o «terrorismo islâmico», que eles mesmos financiam, com o único objectivo de se apropriarem das suas riquezas.




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